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O menino que queria ter tudo

Kenzo De Albuquerque
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Kenzo De Albuquerque
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Sotarb era um pequeno vilarejo que se situava na província de Nari e, apesar de sua extensão territorial ter sido considerada a menor dentre todos os demais vilarejos da região, era o único privilegiado a ser banhado pelas belas e cristalinas águas do Mar Donik. E foi justamente lá que nasceu um menino que se chamava Zoen.

Nascido em uma família de origem humilde, Zoen foi crescendo e começou a se comportar de maneira distinta em relação às outras crianças que por lá habitavam. Enquanto muitos preferiam brincar e se divertir, Zoen preferia visitar a praia e contemplar a imensidão do Mar Donik durante toda tarde até o anoitecer, para ver a lua brilhar no céu.

Desde cedo mostrava-se ser um menino sonhador. Observava muito curiosamente tudo aquilo que achava interessante e sempre teve um enorme desejo de conquistar todas as coisas que lhe despertavam admiração. Zoen queria não somente conhecer o céu, como também tocar as estrelas e viajar pelo universo. Entretanto, tinha dentro de si o conhecimento de que nada disso seria fácil, por isso precisaria se empenhar muito para conseguir tais feitos.

Por via de regra, sempre que voltava de sua escola, Zoen fazia questão de cortar o caminho de sua casa para poder contemplar a beleza do mar. Mesmo faminto após longas jornadas de estudos, ainda assim prezava apreciar o tom azul das águas, sentir a brisa do vento, ouvir as aves cantando. Durante esses momentos, pensava de maneira determinada "Ainda vou desbravar toda essa imensidão!".

Na medida em que os anos iam se passando, os esforços e toda a dedicação de Zoen acabaram sendo reconhecidos. As escolas faziam questão de premiá-lo com troféus, medalhas e títulos por ser um aluno tão exemplar. No entanto, nada disso era o bastante para satisfazer Zoen, pois no fundo, ele sabia que isso tudo não era nem perto daquilo que um dia desejaria tanto conquistar. Enquanto alguns continuavam o admirando, outros o questionavam, enxergando suas frias reações como sinais de ingratidão ou até mesmo de arrogância. Mais uma vez, o que os outros pensavam pouco importava para o jovem menino, pois como sempre, Zoen queria mais. Zoen queria ter tudo.

Por ser muito empenhado, Zoen passou muitas noites em claro arquitetando suas criações. Fazia incontáveis planejamentos daquilo tudo que desejava inventar, desde formas de se estocar o calor do sol até mecanismos para se capturar às estrelas. Dentre suas invenções, tinha uma em especial que lhe despertava um entusiasmo sobrepujante às demais. Essa invenção seria capaz de realizar um de seus maiores sonhos: conhecer a lua. No entanto, Zoen nem havia se dado conta desse sentimento, pois estava implícito dentro de si.

Noites e noites continuavam se passando e Zoen ainda se via acordado e profundamente indeciso sobre qual invenção faria primeiro. Sempre se questionava "Qual será o melhor jeito de se construir? Quero que tudo fique perfeito, nada pode dar errado... Será que este esboço está bom? Que tal mais alguns ajustes? Agora sim, está perfeito".

Como de costume, noites e noites iam se passando. Zoen, que já não mais era um menino, mas sim um adulto de 34 anos, já se via cada vez mais frustrado. Quando se deu conta que já estava mais velho e que não havia conquistado nem perto daquilo tudo que sonhava, sentiu uma profunda angústia, acompanhada de um forte aperto no peito e de uma intensa sensação de sufoco. Se questionava mais e mais a fim de se saber se os esforços deles não eram o bastante para alcançar seus sonhos. Quantas noites em claro, sem sequer tirar um cochilo, não passou? Absolutamente nada havia sido atingido, até então.

Em meio a toda essa angústia e frustração, Zoen finalmente resolveu aproveitar a segunda metade da noite e foi se deitar em sua cama. Quem sabe assim conseguiria descansar e ter um pouco mais de paz e de sossego para seus tormentos. Foi a partir de então que teve um sonho.

Enquanto sonhava, Zoen reparou que tudo aquilo que se encantava, exercia uma só função. O sol que tanto admirava, iluminava o dia. O mar que tanto contemplava, servia de lar para os peixes. O vento que tanto o aliviava, trazia o ar fresco.

Foi a partir de então que acordou desesperado, estava ofegante. Se deu conta de que esse sonho mudara radicalmente sua visão sobre as coisas. Finalmente pôde identificar a origem dos sentimentos que tanto lhe perturbavam. Zoen, logo percebeu que não estava se concentrando em desempenhar uma única e exclusiva tarefa. Era justamente isso que o afastava cada vez mais de atingir seus objetivos.

Estando ainda de noite, Zoen saiu correndo até a praia, onde talvez encontraria um pouco de calmaria e de inspiração para refletir sobre o que estava ocorrendo e, quem sabe, pensar em uma solução que lhe satisfizesse. Olhou para o mar e para o céu, viu a lua e as estrelas brilhando sobre as águas. Sentou-se em uma das pedras que por lá tinha e se hipnotizou pelo brilho da lua. Foi então que, como um sopro, veio-lhe à mente aquela invenção que lhe despertava um sentimento especial, que tocava o seu coração e lhe despertava um diferente entusiasmo. Essa invenção era precisamente aquela que seria capaz de levá-lo até à lua.

Zoen estava atônito, não sabia se chorava ou se alegrava após tal descoberta, afinal isso simplesmente poderia mudar sua vida e resolver o problema de suas profundas frustrações e de noites mal dormidas. Todavia, de uma coisa tinha certeza: seu entusiasmo agora era maior do que nunca. Apesar de sua idade avançada, sentiu-se mais revigorado do que uma criança.

Tendo já separado as peças necessárias, Zoen se concentrou em desempenhar apenas uma única e exclusiva função, sem se preocupar com nada além. Simplesmente se abstraiu de tudo aquilo que era irrelevante e juntou suas forças para criar sua invenção: construir um foguete que lhe permitisse chegar à lua.

A cada peça encaixada, parafuso apertado e ajuste que fazia, o brilho de seus olhos aumentava de maneira radiante. Zoen se via mais do que nunca perto de atingir seu tão sonhado objetivo.

Foram tantas outras noites em claro dedicadas à execução do plano. Sua euforia era o combustível que o mantinha acordado para concluir sua invenção. Ele estava cuidando para que tudo ficasse dentro do previsto, não podia falhar. Seu capricho e cuidado era admirável, cuidava de cada detalhe que considerasse importante, desde a montagem até a pintura. Zoen sabia que se fizesse tudo isso com amor, daria certo, pois a chama de seu coração era muito intensa.

Até que enfim, após longos dois anos de construção, terminou a construção de seu foguete. Não podia ficar mais animado do que esse feito. Foi correndo arrumar todo o combustível necessário para o abastecer. A essa altura, a única coisa que lhe restava era torcer para que o lançamento desse certo para que pudesse pisar na lua.

Subiu em seu foguete, apertou os cintos de segurança, ligou o painel de lançamento e clicou nos botões com entusiasmo. Estava tudo pronto. Era hora de decolar.

Durante a decolagem, foi passando em sua mente toda sua trajetória. Na medida em que o foguete subia, ia se recordando de sua origem, das suas lutas e desafios. Se lembrou novamente das vezes em que cortava o caminho até sua casa para contemplar a beleza do mar após o término de suas aulas, das noites em que passou em claro cuidando de suas infinitas invenções e, é claro, do sonho que mudou o rumo de sua vida. Cada trepidação provocada pelos propulsores do foguete o fazia se sentir mais realizado.

Finalmente chegou o momento tão desejado: Zoen pousou na lua. Não pensou duas vezes, desligou o foguete, tirou os cintos, desceu do foguete e começou a correr pela lua sem parar. Simplesmente não se cansava. Deitou e rolou no chão. Seu sentimento não poderia ser outro. Simplesmente se contentou por ter aberto mão de tantos outros sonhos e vontades. Foi através da dor que acabou descobrindo que quem quer fazer tudo, acaba não fazendo nada.

Com isso, Zoen foi em busca daquilo que mais queria. Daquilo que mais sonhava. Daquilo que realmente amava. Até o fim de sua vida, lá estava ele, olhando para a Terra, para as estrelas e o universo. Contemplando a verdadeira imensidão. E agradeceu. Agradeceu por ter tido aquele sonho. Agradeceu por ter encontrado a felicidade.

Considerações Finais

Através deste conto, foi possível retratar a premissa de que quem quer fazer tudo, simplesmente não faz nada. Zoen era alguém sonhador, tinha uma curiosidade e um desejo de conquistar tudo aquilo que queria de maneira incomparável. Através da dor e de muito sofrimento, percebeu que algo havia algo de muito errado por simplesmente não ter conseguido atingir o que desejava. Ia ficando mais velho e angustiado.

Fica evidente que ele converteu seus sentimentos negativos em horas improdutivas de trabalho, sacrificando até mesmo suas noites de sono. Tudo isso o conduziu às ruínas.

Quando finalmente resolveu obter um pouco de paz e de descanso, teve um sonho que mudou sua vida definitivamente. Observou que precisava se concentrar em desempenhar uma única tarefa, por isso, após muitas reflexões, chegou à conclusão de que precisava correr atrás daquilo que mais amava, mesmo ainda desejando tantas outras coisas.

Juntou suas forças e, sem se preocupar com nada além, construiu seu foguete e pôde contemplar a lua e a imensidão do universo.

E agradeceu.